sábado, 15 de agosto de 2015

L'Uccello dalle Piume di Cristallo (Dario Argento, 1970)


 Gente... Isso sim que é um belo início de carreira. E que início! Antes Dario Argento só havia feito roteiros de treze filmes (incluindo o famoso western spaghetti C'era una volta il west) e além de ser roteirista, era crítico de cinema. Argento tinha trinta anos quando roteirizou e dirigiu o seu primeiro filme como diretor, L'uccello dalle piume di cristallo (O pássaro das plumas de cristal, no Brasil). Esse filme deveria ter sido uma adaptação do romance de Frederic Brow, The Screaming Mimi, que por sinal já havia uma adaptação em 1958. Esse filme é o primeiro filme da Trilogia dos Animais, que consistem em mais dois filmes além desse: Il Gatto a Nove Code (1971) e 4 Mosche di Velluto Grigio (1971), todos dirigidos por Argento.


 Inicialmente, Bernard Bertolucci havia sido contratado para dirigir o filme baseado no livro, mas sabia que haviam muitos jovens e promissores diretores e roteiristas, então ele escolheu um certo Dario Argento para dirigir o filme. Além de ser contratado para dirigi-lo, ele se envolveu muito com o roteiro e decidiu mudar praticamente tudo e esse filme ganhou vida própria e levou um rumo muito diferente. Era como se o filme fosse uma pintura em andamento e todas as cenas (perturbadoras e fantásticas) fossem uma parte dela. É claro que o filme tem lá os seus furos, mas Argento consegue com muita eficácia fazer com que nós esqueçamos deles. E também tem o final... Ah, o final.



 Sobre o roteiro, posso dizer que a estória condutora é um fiapo. Um escritor americano (Tony Musante) presencia a tentativa de assassinato contra uma mulher (Eva Renzi) e logo é perseguido pelo assassino antes que ele se lembre da face do mesmo. Pronto. É isso, essa miséria de sinopse consegue se expandir por 108 minutos (só fazendo um adendo, de acordo com o IMDB, há uma versão em VHS da Bélgica que tem 108 minutos, e esse filme tem vária versões e a mais conhecida e única disponível é a versão americana de 96 min). Ele ganha vida, cada cena é um retalho que se emenda nessa colcha de retalhos linda e com uma atmosfera de suspense crescente. O roteiro é tipo uma junção de Sei donne per l'assassino de Mario Bava e La ragazza che sapeva troppo, também de Bava. Ambos verdadeiramente filmes ótimos que Argento com certeza se inspirou e deixou o filme melhor do que já é.

 Além do roteiro cheio de reviravoltas (muito típico do giallo), temos a direção de fotografia de Vittorio Storaro, o "mago da luz". Não tenho muito a dizer sobre ela, mas ela é muito boa. Muito eficiente nas cenas noturnas, abusando do noir e uma fotografia azulada e o ressalteamento de algumas cores, como o vermelho. A fotografia contribui também para a atmosfera perturbadora que Argento quer mostrar.

  Tudo contribui para esse filme ser lindo, o roteiro, a direção, a trilha sonora e a fotografia, tudo. Sobre a direção estranha e um tanto angustiante de Argento posso dizer que é eficaz em muitas senas, se não todas. Nas cenas de ação ele abusa dos travellings e dos planos detalhes dos olhos e planos gerais, como o exemplo (SPOILER, se você não viu o filme, não leia) a tentativa de assassinato que Sam sofre. Essa sequencia é angustiante e te faz ficar com os nervos a flor da pele com os travellings e os planos, além da câmera de mão (fim do spoiler). Também as cenas de assassinato são muito, muito mas muitos angustiante, como o assassinato da quarta vítima que te de te deixar, com o perdão da expressão, com a mão no cu. Ele acontece aos trinta minutos de filme quando a personagem de Rosa Torosh é assassinada. A cena não é gráfica, ela apela mais para o psicológico e isso a torna pior e ele nem precisava mostrar a faca entrando na carne dela para nos deixar com medo. Argento também utiliza o que seria utilizado mais tarde, que é a câmera como o ponto de vista do assassino e da vítima. Esse filme foi um dos primeiros a mostrar cenas assim.

 Agora chegamos ao ponto alto do filme. A trilha sonora de Ennio Morriconne é uma das melhores, estranhas e perturbadoras de sua carreira. São instrumentos bizarros, sons estranhos de dar medo que fazem esse filme ser além de um simples e mero giallo. Por causa da trilha sonora de Morriconne, esse filme beira ao terror psicológico. Voltando a cena em que a quarta vítima é assassinada, citada no parágrafo a cima, a direção e a fotografia à la noir já mostram a atmosfera tensa do apartamento dela, agora pensa que não poderia ficar mais angustiante, mas Morriconne consegue deixar mais angustiante ainda, e com sucesso. Essa trilha já começa quando ela não sabe que está sendo seguida por ele, ela começa a ficar tensa quando ela já está no seu apartamento despindo-se, e quando ela deita na sua cama, apaga a luz a trilha começa a ficar mais tensa ainda e chega ao seu ápice quando, no ponto de vista dela, ela vai apagar o seu cigarro e quando olha para frente, vê o assassino. Cara, é horrível. Por causa dessa cena eu fiquei traumatizado, e tudo isso graças a Argento, que queria algo fora do comum.

 Não tenho muito a dizer sobre as atuações. Elas são no ponto certo e não tão dramáticas. Tony Musante está muito bom como o Sam, mostrando que é um bom ator e que consegue atuar em cenas angustiantes, eu acho que Suzy Kendall, que atua aqui como a namorada de Sam, deveria ter um papel mais longo e participar bem mais no começo, porque ela é uma ótima atriz e rouba a cena toda vez que ela aparece. Enrico Maria Salerno deveria ser mais desenvolvido também, mas não atua tão bem quanto os outros. Eva Renzi como Monica Ranieli tem um papel quase inexistente, mas na cena em que ela quase morre, ela consegue transparecer a dor que sente.


 Cara, sobre o final eu não tenho palavras para descrevê-lo. Dá medo da atuação do assassino, mostrando o quão sádico e perverso é ele, e o roteiro nos engana ao ponto de quando o assassino é revelado nós não acreditamos que realmente é ele! O filme é cheio de reviravoltas e a última é bombástica, então nem tente desvendar quem é o assassino no meio do filme que você nem vai saber. Já fazem anos que eu vi o filme e há alguns dias quando eu o revi eu descobri que ainda não digeri isso, ainda não acredito.

 Bom, o filme tem mais altos do que baixos, é uma ótima experiência que ele nos oferece e se você nunca assistiu a um giallo e quer começar, eu sugiro você começar a esse aqui.

 Nota: 9,6 (muito bom)
Ficha técnica:
título: L'uccello dalle piume di cristallo
produção: Salvatore Argento/Artur Brauner
direção: Dario Argento
roteiro: Dario Argento
com: Tony Mosante, Suzy Kendall, Enrico Maria Salerno, Eva Renzi
direção de fotografia: Vittorio Storaro
trilha sonora: Ennio Morriconne
duração: 96 min (1hr 36min) (versão americana)
                 98 min (1hr 38min) (versão italiana)
                 97 min (1hr 37min) (versão finlandesa, 1972)
                 92 min (1hr 32min) (versão dos Países Baixos)
                 105 min (1hr 45min) (versão argentina)
                 101 min (1hr 41min) (versão alemã)
                 108 min (1hr 48min) (versão belga em VHS)
gênero: mistério, thriller
data de lançamento: 19 de fevereiro de 1970


Trailer:

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